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A ilusão dos valores na Era Digital

21 Junho 2025 1.552 views Não Commentado

004.140x140004.140x140Vivemos numa época em que a vida e a morte coexistem em um ciclo constante de informação e desinformação. As escolas, ainda que repletas de conhecimento técnico, falham em preparar-nos para as dores, as falências, os desenganos, a saudade e os desencontros que fazem parte da experiência humana. Assim, tornamo-nos um bando de despreparados para enfrentar os labirintos da vida moderna.

Na sociedade contemporânea, confrontamo-nos diariamente com o predomínio de valores fúteis. As pessoas são frequentemente avaliadas pelo que representam nas redes sociais, e não pelo que realmente são. A imagem que projetamos online muitas vezes se torna mais importante do que a nossa essência, criando uma ilusão de conexão que, na verdade, pode ser profundamente isolante.

Quando se chega a um evento de transporte público, o valor é X. Se se chega num carro de luxo, o valor é Y. Essa lógica de avaliação superficial permeia todos os aspectos da vida, desde as interações sociais até as oportunidades profissionais. A pressão para se conformar a esses padrões pode levar a um estado de ansiedade e insegurança, onde a autenticidade é sacrificada em nome da aceitação..

Os centros comerciais, que outrora eram os templos do consumo, agora competem com as plataformas digitais que dominam o nosso tempo e atenção. As redes sociais tornaram-se os novos altares onde se cultua a imagem e o status. Uma percentagem muito reduzida da população pode realmente participar de uma cultura que valoriza a autenticidade em vez da ostentação. Aqueles que não se encaixam nos padrões impostos sentem-se cada vez mais excluídos, levando a um aumento da solidão e da alienação.

Vivemos numa sociedade tão individualista que muitos valores estão a perder-se. Com facilidade e sem qualquer preparação, avaliamos os outros e esquecemos de nós próprios, desrespeitando as diferenças. A empatia, um valor fundamental, é frequentemente sacrificada em prol de uma competição desenfreada, onde o sucesso é medido em likes e seguidores. Essa dinâmica não só prejudica as relações interpessoais, mas também alimenta um ciclo vicioso de comparação e insatisfação..

Como seres humanos racionais, não devemos preocupar-nos com coisas fúteis; antes, devemos reorganizar os nossos conceitos e valores morais que nos foram transmitidos ao longo da vida, deixando de lado toda a injúria que paira no nosso inconsciente. É essencial que nos questionemos: o que realmente importa? A busca incessante por validação externa ou a construção de relações significativas e autênticas?.

E quanto à comunicação social, em geral? A situação é alarmante! A televisão, que já foi um meio dominante, agora convive com uma infinidade de plataformas digitais que moldam a nossa percepção da realidade. Aquele que consome conteúdo sem critério corre o risco de se tornar um mero espectador passivo. A manipulação da informação, que deveria ser uma ferramenta de empoderamento, transforma-se em um instrumento de controle, moldando opiniões e comportamentos de forma insidiosa. A desinformação e as “fake news” proliferam, tornando ainda mais difícil discernir a verdade em meio a um mar de informações..

Até quando fecharemos os olhos para esta cruel inversão de valores? Até que ponto esses desajustes da era digital irão influenciar o nosso bem-estar? Será isso realmente viver feliz? A felicidade, que deveria ser uma busca interna, é frequentemente confundida com a acumulação de bens e status social, levando a uma insatisfação crónica..

Não deixemos que as marcas e as tendências façam de nós pessoas importantes. Sejamos importantes pelas nossas realizações, sejam elas pessoais ou profissionais. Devemos valorizar a autenticidade e a integridade, construindo uma identidade que não dependa da aprovação alheia. A verdadeira força reside na capacidade de sermos fiéis a nós mesmos, independentemente das expectativas externas..

Façamos das nossas telas e da comunicação digital simples ferramentas de expressão, e não prisões que limitam o nosso pensamento. Precisamos de reflectir sobre este processo de pasteurização a que todos nós somos submetidos. Enquanto não nos impedirem de pensar, seremos capazes de transformar os nossos próprios destinos. A verdadeira transformação começa dentro de nós, na nossa capacidade de questionar, de criticar e de agir em prol de um mundo mais justo e humano. A mudança começa com a nossa disposição para desafiar o status quo e buscar um significado mais profundo nas nossas vidas..

(António Casteleiro)

www.antoniocasteleiro.com

” Aceito os ignorantes ! Não aceito os que ignoram a própria ignorância. ” (António Casteleiro)