As fantasias da vida …
Era um daqueles dias de muita chuva e estávamos no final do ano de 2008, tempo de festas para muitos, em que não tínhamos vontade de sair de casa, mas os bilhetes já haviam sido comprados há meses atrás, como de presente aos convivas que se tinham reunido.
Foi assim, que eu me vi retroceder no tempo, voltar a ser um pouco criança, ficar deslumbrado e com os olhos fixos nos maravilhosos malabaristas do Circo….
O tempo passou, sem que eu sentisse. O cinza ficou lá fora, enquanto as cores se tornavam puro movimento através de acrobacias arriscadas em balanços de madeira ou em cordas suspensas, por escaladas em mastros, voos e saltos incríveis através de trapézios.
Assistir a este espetáculo fez-me refletir em como o circo e a vida real se assemelham. Em como assumimos diversos papéis, ao nos relacionarmos com os outros e com o que nos cerca, não raro periodizando um deles como sendo o mais forte e constante em nosso comportamento.
Alguns passam a vida equilibrando-se ou equilibrando coisas, outros estão sempre atraídos por lances arriscados, sem contar aqueles que gostam de levar a vida na brincadeira, mesmo que caiam, deliciando-se em fazer os outros rirem, muitas vezes escondendo sua dor, como os palhaços.
Há pessoas que preferem apresentar o outro, ficando à sombra, em lugar de serem o foco das atenções, já outros querem mais é serem estrelas do espetáculo e receberem os aplausos.
Outras ainda conseguem “tirar coelhos de cartolas”, transformar o feio em belo ou fazer parecer ser o que na realidade não é, através de suas mágicas e criatividade.
Lembro de uma malabarista russa que, naquela noite, enquanto sapateava, chegava a ter nas mãos dez bolinhas. Ela chamou-me a atenção porque, fazendo parte ou não de sua apresentação, a jovem tentou por três vezes, sem sucesso, trabalhar simultaneamente as dez últimas bolinhas. Na terceira tentativa, ela desiste e continua com graça o seu sapateado, curvando-se ao final, para receber os aplausos de quem lá estava.
Nesse momento, em que ela falha, parece que somos retirados de um mundo idealizado, onde tudo dá certo e conforme os planos, e somos devolvidos ao mundo real, onde não existem apresentações perfeitas.
Talvez, por isso, a gente pode sentir-se incomodado(a), inicialmente, já que o mundo da fantasia é tão atraente, mas, depois, é gratificante lembrar que a artista respeitou seu limite, aceitou a imperfeição e continuou o número.
Por outro lado, foi bonito ouvir os aplausos da plateia, que não a julgou só pelo momento de insucesso, mas pelo conjunto de sua atuação.
Neste mesmo espetáculo, havia um palhaço mímico que interagia com o público, acordando a criança de cada um e lembrando Chaplin.
O mesmo inesquecível Chaplin que dizia: “Que eu seja um comediante mas um comediante que pensa”.
O mesmo filósofo-comediante Chaplin que reconhecia que cada pessoa ao passar em nossa vida, passa sozinha, já que cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra e que, ao passar, não nos deixa só, porque deixa um pouco de si e leva um pouquinho de nós, criando assim um momento de responsabilidade, onde nenhum encontro é por acaso.
O mesmo génio Chaplin que nos alertava sobre o valor da existência, ao dizer que “a vida é uma peça de teatro que não permite ensaio” e que, sendo assim, devemos cantar, rir, dançar, chorar e viver “intensamente cada momento, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos”.
Enfim, é importante que a gente não se esqueça que a vida é uma arte e para se ter sucesso em qualquer arte é preciso saber distinguir entre a verdade e a imitação quando escolhermos nosso papel nas relações.