Depois da dor… A consciência !
No nosso dia-a-dia, apercebemo-nos daquilo que dói e quase não valorizamos o que de bom nos acontece.
Não nos apercebemos da boa saúde do nosso corpo, de que temos comida para nos alimentar, da família e amigos que nos rodeiam e de que nascemos num país melhor que muitos outros em termos de condições de vida.
Lamentamo-nos das dificuldades que o dia-a-dia acarreta e não enaltecemos as alegrias que o mesmo proporciona. Há uma tendência natural nesse sentido e a sociedade reflecte esta perspectiva, nas crenças e valores que adopta, ao enfatizar o medo e a desconfiança em relação à vida e às pessoas.
Assim, a carência de liberdade que nos tem orientado na vida em comum, baseada num sistema rígido de proibições e impedimentos, em vista da prossecução daquilo que se entendeu como necessário à colectividade, decorre de uma visão restritiva e receosa daquilo que nos acontece, porque se teme a dor, que espreita a toda a hora. Concebe-se, então a vida como um fardo difícil de carregar, acreditando serem necessários o sacrifício e o sofrimento para a obtenção do sucesso. O negativismo enferma todas as atitudes e comportamentos, e quando o povo diz “é assim a vida” cinge-se ao que de mau acontece, como se a experiência de viver fosse totalmente dolorosa.
Os meios de comunicação social, por seu lado, enchem os seus periódicos e tempos de antena, relatando as catástrofes e mortes que vão acontecendo, considerando-as como notícias que importa transmitir, e relegando ao esquecimento e ocultação aquilo que de agradável e positivo vai ocorrendo no mundo.
Costuma dizer-se que só damos pelo bem depois de o perder, quer se trate de questões de saúde, de relações afectivas ou de posses materiais. Até lá, mostramos sempre a nossa ingratidão, porque continuamente nos lamentamos por aquilo que nos desagrada e falta.Estamos imersos no bem e disso não nos apercebemos, e apenas quando dele nos afastamos, nos damos conta da anormalidade e reagimos. É como se a vida, pela sua natureza intrínseca fosse boa e nos deixasse felizes, mas não percebemos isso senão depois que é contrariada essa lei natural, surgindo o sofrimento.
O bem em que nos movíamos tornou-se então perceptível, através da tomada de consciência da sua falta ou ausência, deixando-nos desconfortáveis.
A experiência de dor ou sofrimento sobreleva todas as outras, porque é nela que inevitavelmente concentramos a atenção, na tentativa de a vencer, ou seja, damos-lhe consciência e consistência, passando para segundo plano tudo o mais. A sensação de dor é de tal forma absorvente e poderosa que abrange todo o nosso campo de consciência, ficando mitigadas todas as outras sensações.
De facto, quando por exemplo adoece um órgão do nosso corpo, apercebemo-nos inevitavelmente da sua existência e localização, mesmo se antes não o fazíamos, porque o organismo saudável integrava esse órgão no seu todo, não o evidenciando por isso. A anormalidade, impedindo a união entre as partes, obriga à consciencialização dessa zona do corpo – que dessa forma se isola e destaca -, e consequentemente à busca e ao desejo da recuperação da harmonia perturbada pela doença. Parece, que só, então, se passa a dar valor à saúde que antes aceitávamos como natural, e a que, contudo, não conferíamos o valor que agora lhe damos.
A experiência da dor poderá, então, ter o mérito de nos colocar numa atitude mais consciente perante a vida, porque passamos a compreender coisas que doutra forma nos passariam ao lado e que o sofrimento põe em destaque. Começamos, então, a valorizar o bem, que nessa oportunidade nos falta e a evitar a repetição dos erros que eventualmente a possam ter ocasionado. Tiramos, enfim, lições daquilo que custa e a vida passa a ser melhor compreendida e valorizada.
A experiência terrena envolve, pois, a tentativa de acerto, através do erro, para que se adquira consciência. Através do mal e das dificuldades, apercebemo-nos do valor do seu oposto – o bem que nos torna felizes e saudáveis -, e passamos a evitar os erros que ocasionam as situações complicadas, percebendo existirem leis da vida cuja violação acarreta danos. Imersos no bem de que a vida é feita, só dele tomámos consciência quando de alguma forma do mesmo nos afastámos.
A criança precisa de cair muitas vezes até aprender a andar, nós também só acertaremos o passo com a vida, depois de muitos desvios e sofrimento.