O poder muda as pessoas!
A partir do momento em que alguém se vê como “Chefe” ou “Presidente”, a sua personalidade tende a mudar. Um cidadão comum, ao ascender ao poder, altera o seu psiquismo. O seu olhar sobre os outros torna-se diferente; admita ou não, ele passa a olhar “de cima” para os seus “governados”, “comandados” ou “coordenados”, enfim, para os demais.
Estar no poder confere um sentido interiormente distinto às suas paixões, aos seus desígnios e até à sua própria estupidez. Pelo simples fato de agora ser “Chefe” ou “Presidente”, tudo deve girar em função do que representa. Os “comandados” também são levados, pelas circunstâncias, a vê-lo como o “Chefe” ou “Presidente do pedaço”.
É difícil perceber o quanto o lugar simbólico do poder faz com que o povo se ofereça a uma certa “servidão voluntária”. É inegável a força que o símbolo exerce sobre indivíduos e grupos. Antes de ocupar o poder, este atrai e fascina; uma vez no poder, tende-se a colar a alguns como se fossem eternos. Aqui reside a diferença entre um Fidel Castro e um Nelson Mandela. O primeiro, como a maioria dos ditadores, pretende eternizar-se no poder; o segundo, mais sábio, encarou-o como transitório, evitando ser possuído por ele. O poder tem algo de diabólico, que tenta e corrompe.
Uma vez no poder, o sujeito necessita de personas (máscaras) e molduras de sobrevivência. A persona serve para enganar a si mesmo e aos outros. A moldura é algo necessário para delimitar simbolicamente a sua ação enquanto representante do poder. A ausência de moldura ou o seu mau uso pode fazer irromper a força pulsional do sujeito, que anseia por mais e mais poder, podendo tornar-se uma patologia psíquica. A história coleciona exemplos: Hitler, Estaline, Mobutu, Idi Amin, entre outros.
O poder faz fronteira com a loucura. Não é por acaso que muitos loucos se julgam Napoleão ou o Rei Luís XV. Parece haver uma “loucura narcísica” nas pessoas que anseiam alcançar o poder político (governador de um distrito, estado ou país, ministro, etc.), ou o poder dentro de uma instituição, empresa, departamento, pequeno setor de uma organização ou grupo qualquer. O narcisismo de quem ocupa o poder revela-se na autoadmiração (o amor a si e aos seus feitos), na recusa em aceitar o que vem dos outros e no gozo que extrai do poder, que, levado ao extremo, pode revelar loucura.
Muitos intelectuais discursam sobre a preocupação com o “social”, mas estão, na verdade, mais preocupados com a sua “razão do poder”. Existe uma espécie de “gozo louco” pelo poder, que faz subir a cabeça daqueles que estão a tentar conquistá-lo.
Contudo, existem também líderes que, apesar de terem exercido poder, conseguiram manter uma certa humildade e conexão com o povo. Figuras como o Mahatma Gandhi e Desmond Tutu, por exemplo, demonstraram que é possível exercer liderança sem se deixar corromper pelo poder, promovendo a participação cidadã e a transparência.
O poder faz com que o ocupante perca a sua própria identidade pessoal e assuma outra, moldada pela forma do próprio poder. Além disso, a dinâmica do poder não afeta apenas os líderes, mas também a sociedade como um todo. A forma como o poder é exercido pode moldar a cultura de um país, influenciando valores, comportamentos e até a forma como as pessoas se relacionam entre si.
Os indivíduos que estão no poder protegem-se da crítica, reforçando pactos de autoengano com os seus colegas de partido. Reforçam a crença de que representam o Bem contra o Mal, recusando escutar aqueles que os criticam e que poderiam orientá-los na correção de seus erros e na superação de suas contradições. Se se entrincheirarem num grupo narcísico, o discurso político tornar-se-á dogmático, rígido e opaco, e podemos até prever qual será o seu futuro se optarem por eliminar os divergentes internos e realizar mais ações de governo contra o povo, “em nome do povo”.
Por fim, convido o leitor a refletir sobre o que o poder significa em suas próprias vidas e comunidades. Como podemos garantir que aqueles que ocupam posições de poder não se deixem corromper? Como podemos, enquanto cidadãos, promover uma cultura de responsabilidade e transparência que impeça a degradação do poder? A conscientização e a participação ativa na política são fundamentais para que possamos construir um sistema que valorize a ética e a integridade, evitando que o poder se torne uma armadilha que aprisiona tanto os líderes quanto os liderados.
A reflexão sobre o poder deve ser contínua, pois é através dela que podemos aspirar a um futuro onde a liderança seja sinónimo de serviço e não de dominação. O verdadeiro desafio reside em cultivar uma sociedade que valorize a responsabilidade, a empatia e a justiça, assegurando que o poder seja uma ferramenta para o bem comum e não um meio de opressão.
(António Casteleiro)
” Aceito os ignorantes ! Não aceito os que ignoram a própria ignorância. ” (António Casteleiro)