Home » Editorial

Destempero Social…

20 Setembro 2008 41.670 views Não Commentado

Antonio CasteleiroAlgumas pessoas dão-se muito bem na vida, sobretudo no plano material, às vezes por razões que a própria razão desconhece. Existem aqueles “sortudos” que, embora não recebendo nenhuma herança significativa e jamais ganhando o totoloto ou euro milhões acumulam um património fabuloso. Sendo voz corrente que dinheiro atrai prestígio, uma coisa acaba sendo proporcional à outra.

Todavia, nem tudo é assim tão perfeito para esses “escolhidos”. Nascem, vivem e partem para outro plano absolutamente desprovidos de uma característica que pode ser comum entre os mais humildes e anónimos cidadãos, sem nada lhes custar: senso do ridículo.

Admite-se até que o poder e a fama em intensidade extrema sejam capazes de obnubilar a parte do cérebro responsável pelos estímulos ao discernimento e à autocrítica. Em consequência, deflagra-se uma descompensação mental, em grau patológico, impedindo o indivíduo de distinguir sentimentos nefastos como a vaidade exacerbada, o egoísmo, a megalomania, o egocentrismo etc., do estado de graça da bem-aventurança.

A psicopatia tem o agravante raro de contagiar quem for predisposto à doença. Os mais vulneráveis são os politiqueiros profissionais que insistem em conquistar o poder, recuperá-lo ou nele perpetuar-se a qualquer preço. Ainda mais se tiverem experiências “palacianas” bem-sucedidas no âmbito do interesse pessoal.

Há um princípio religioso a que já nos referimos, pelo qual para se alcançar a bem-aventurança não basta apenas deixar de fazer o mal; é necessário que se faça o bem. A bem-aventurança atribuída a um homem público, por exemplo, corresponde à felicidade plena de ser merecedor do respeito, da admiração, do carinho e do amor dos seus concidadãos.

Só será credor de deferências tão especiais quem de facto demonstrar lealdade à causa maior: a Política. Política com o “P” maiúsculo, sim! Assimilada e exercida de acordo com o conceito mais adequado e convincente: “Arte ou ciência do bem-comum”.

Identifica-se o vocacionado na medida em que ele faz da opção de vida um ato de entrega pessoal. Uma doação dos seus talentos, seus conhecimentos, suas experiências, sua crença e seus compromissos, sob os mais elevados padrões éticos, em benefício da coletividade. Com ênfase para os excluídos, vítimas das elites dominantes, órfãos de governos (em quaisquer níveis) omissos, coniventes e irresponsáveis. Transgressores contumazes de postulados do direito e da justiça, estabelecidos nos códigos dos homens, e de mandamentos contemplados na Lei de Deus.

Através dos tempos – reafirmamos por oportuno –, a história tem mostrado que, além da peculiar ojeriza em relação às classes oprimidas, uma razão prática leva os dominadores a manterem os menos favorecidos na eterna condição de subalternidade. Temem que avanços sociais significativos possam ameaçar-lhes a vida nababesca. Não fazem qualquer concessão que implique valorização àqueles que estão em estratos sociais inferiores.

Uma das razões da crueldade a que foram submetidos os primitivos cristãos estava nos princípios de igualdade pregados por Jesus. De maneira especial para os orgulhosos romanos, um escravo considerar-se na mesma condição do seu senhor era uma espécie de subversão ao status quo. Os cristãos só conseguiram ser aceitos a partir do terceiro século, com a criação de castas sacerdotais que exerceriam, também, domínios absolutos. Fenómenos económico-sociais e religiosos ofuscados na poeira do tempo, porém jamais apagados da história universal.

Bem-aventurado é aquele que proporciona condições de resgatar a dignidade dos marginalizados, para que se transformem em agentes ativos do processo socioeconómico. Em pessoas que, motivadas, reconquistem a consciência de suas potencialidades, seus direitos e deveres de cidadania.

Bem-aventurado é aquele que, honrando o mandato popular, eleva a imagem de qualquer cargo público neste País, hoje tão conspurcado, ante o desvio a que alguns se entregaram sequiosos de riquezas e poder que imaginam eternos.